Horário: Todos os dias. Das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h00. (Aberto, parcialmente, devido às obras de reabilitação do edifício)

A exposição

A exposição

O Porto (1887-1899) de João Amaral (1874-1955)

Nuno Resende

 

Os últimos anos do século XIX foram, no Porto, de grande agitação. Para um jovem que nascera numa pequena cidade como Lamego, marcada pelo conservadorismo da Igreja e pela pequena política local, o Porto parecia Paris. Não o era. Nem sequer Lisboa, a capital de um reino periférico na geopolítica europeia marcado por crises económicas que alimentavam as notícias dos jornais nacionais e internacionais.

Todavia, a partir da oficina e do balcão de uma ourivesaria na rua das Flores, gerida pelo irmão, João Amaral viveu intensamente a cidade que discutia o regime, pateava ou aplaudia cantoras líricas no Real Teatro de São João, que celebrava a chegada do «foot-ball», que frequentava os bailes de máscaras e os passeios em São Lázaro ou na avenida das Tílias do Palácio de Cristal.

Quando João Amaral chegou ao Porto o burburinho intelectual da rua das Flores estava já no seu canto de cisne, mas era ainda artéria principal da cidade, onde se passava e passeava. Esta fora, no apogeu do Romantismo, uma rua de ourives e grandes poetas como Faustino Xavier de Morais (1820-1869) e António Pinheiro Caldas (1824-1877). Na ourivesaria de Nogueira Lima, ao n.º 173, fundara-se «A Grinalda», revista dos expoentes da voz romântica da Cidade. Certamente que deste ambiente ainda havia memória e a centralidade da rua, possibilitava o contacto com as elites ilustradas desta burguesia de balcão.

A passagem pela Escola de Belas Artes do Porto, a partir de 1892, onde aprendeu com Marques de Oliveira e teve como correligionários Sofia Martins de Sousa e Acácio Lino, entre outros, permitiu-lhe consolidar a sua veia artística, confirmada pela destreza técnica e pela argúcia crítica que demonstra no Álbum de Serões (1891).

A caricatura, que será sempre um dos principais temas na obra pictórica de João do Amaral, mesmo depois do seu regresso a Lamego (1899) e do início da atividade como diretor do museu da cidade (1917), poderá tê-la desenvolvido no ambiente artístico do Porto. Ambiente urbano marcado pela crítica, pela sátira e pelo combate político, sobretudo do lado republicano, João do Amaral certamente conhecia ou relacionou-se com Manuel Monterroso (1876-1968) e Sebastião Sanhudo (1851 – 1901), dois grandes caricaturistas da cena portuense e da política nacional. A participação de João Amaral no Charivari «Semanário Humorístico Ilustrado», fundado no Porto em 1898, formaliza a caricatura como elemento ao mesmo tempo documentarista e crítico.

O período portuense de João Amaral, que coincide com o tempo do Ultimatum e da revolta de 31 de janeiro (1891) ajudou a desenvolver o seu espírito republicano e o seu olhar crítico sobre a sociedade do seu tempo, plasmada em tipos, como os que ilustram o seu Álbum de Serões: militares, fotógrafos, políticos, artistas, entre outros.

Um Porto de João Amaral

Alexandra Braga Falcão

 

Assinalar os 150 anos do nascimento do artista e primeiro diretor do Museu de Lamego no Porto é inusitado. Com efeito, João Moreira Guedes do Amaral nasceu em Lamego e foi Lamego a cidade escolhida para passar a grande parte da sua vida.

Volvidos quase 70 anos desde o seu desaparecimento, em Lamego, arriscamos debandar ao Porto, à procura da estrela que lhe guiou os passos vida fora, como o próprio afirmava.

Após concluir o exame da 4.ª classe, João Amaral, parte para o Porto, em 1887, com o sonho de se tornar artista. De ajudante de ourives, na rua das Flores, uma das palpitantes na transição do século, João Amaral foi depois caixeiro num estabelecimento de tecidos, enquanto se matrícula na então Academia de Portuense de Belas-Artes, no curso de Desenho Histórico, do mestre João Marques de Oliveira, onde se distingue ao lado de colegas como Aurélia de Sousa, a irmã Sofia e Acácio Lino de Magalhães.

Inesperadamente, abandona os estudos para se dedicar a outra paixão: o Teatro, e ao jornalismo humorístico ilustrado – na esteira de Rafael Bordalo Pinheiro – de início com o jornalista Alberto Bessa, na Galeria Portugueza (1892/93) e, mais tarde, como diretor artístico do jornal humorístico com maior tiragem do Porto, o Charivari (1898), na companhia do primo, Acácio Trigueiro (n. Lamego, 1863), diretor literário. Após uma breve estada no Brasil, regressa definitivamente a Lamego, c.1900, voltando as costas a uma promissora carreira, para se dedicar ao ensino, aos livros e à primeira direção e organização do Museu de Lamego (1917-1955) e da Biblioteca Municipal (1924-1955).

Sala 1

O Álbum de serões

A exposição inicia-se com o primeiro caderno de esquiços que se conhece de João Amaral, o Álbum de Serões (1891), para um périplo pelo Porto, uma cidade burguesa, militar, intelectual, boémia e artística, ritmada pelas convulsões sociais e políticas, que antecederam a queda da Monarquia. Os desenhos que preenchem as páginas deste primeiro álbum, ingénuos a maior parte, fazem intuir a alma de artista, de olhar atento, ora doce, ora agreste e mordaz, sobre a sociedade, que atingiria o seu maior expoente nas ilustrações do Charivari (1898).

O fecho do álbum coincide com a primeira matrícula (1892) na então Academia Portuense de Belas-Artes, por onde passa, com distinção, pelo curso de Desenho Histórico. O diálogo entre o trabalho de João Amaral e o de Aurélia de Sousa torna evidente as assimetrias de percurso, reveladoras, no entanto, de matizes comuns, resultantes da aprendizagem com o Mestre Marques de Oliveira e da deslocação da academia para a imprensa e jornalismo ilustrado, que caraterizou toda uma geração de artistas.

Sala 2

Em Lamego, com o Porto no coração

O núcleo seguinte reúne um conjunto de trabalhos de João Amaral, originais e reproduções, provenientes de coleções particulares e do Museu de Lamego, executados quer ainda no Porto, quer já em Lamego, nas vertentes do desenho, de retrato ao natural ou a partir de fotografia, da pintura e, por fim, da caricatura, onde, sem dúvida, se sentia mais confortável e se notabilizou: Não como valor artístico, mas como documentário plástico duma época ainda contemporânea de muitos, essa colecção caricatural constitui, sem vaidade da minha parte, porque nunca me enfeitei com semelhante palermice, uma curiosíssima, sensibilizadora e valiosa galeria de lamecenses (João Amaral, 1943).

Sala 3

João Amaral redito

O último núcleo da exposição é constituído pela apresentação dos trabalhos resultantes de um tributo ao Mestre João Amaral, que envolveu o Colégio de Lamego e os alunos do curso de Artes Visuais da professora Sara Fernandes.

O então diretor do Colégio, o Pe. Alfredo Pinto Teixeira, reconhecendo a importância do ensino artístico na formação dos discentes, convidou João Amaral para essa instituição de ensino, onde permaneceu entre 1906-1943, como professor de Desenho, Pintura e de Teatro.

João Amaral (1874-1955)

– breve biografia

1874  João [Moreira Guedes do] Amaral nasce a 4 de novembro de 1874, em Lamego na rua da Olaria, filho de João Guedes do Amaral e Damiana de Jesus.

1887 Depois de concluir estudos no Instituto Académico, de Francisco Luís Pereira, vai para o Porto, trabalhar como lavrante de ourives, como irmão mais velho, Manuel, estabelecido na rua das Flores.

1891 Realiza as primeiras caricaturas e esboços no Álbum de Serões.

1892-95 Frequenta a Academia Portuense de Belas-Artes, onde conclui o 2.º ano do curso de Desenho Histórico, com o mestre João Marques de Oliveira (1853-1927).

Publica, pela primeira vez, retratos e desenhos humorísticos na revista Galeria Portuguesa.

1893   Obtém o 2.º lugar no exame final do 1.º ano do curso ex-aequo com Sofia de Souza (1870-1960). Em primeiro lugar, ficaram Aurélia de Sousa (1866-1922) e Acácio Lino de Magalhães (1878 -1956).

Participa na exposição anual dos melhores trabalhos escolares dos alunos da Academia.

1894 Recebe um prémio pecuniário no valor de 1000 escudos, pelo retrato de Vianna da Motta, atribuído pelo O Primeiro de Janeiro.

1895 -1899 Livro de esboços (1) onde reúne alguns retratos “ao natural”, esquiços e memórias de viagem realizada a Penacova, Coimbra e Buçaco.

1898 (julho-novembro) Diretor artístico de o Charivari – Jornal Humorístico Ilustrado, com o primo Acácio Trigueiro, na direção literária.

c.1900 Regressa a Lamego, onde se fixa definitivamente, depois de uma possível breve estada no Brasil.

Assina com os amigos Vasco de Vasconcelos e Amálio Fonseca o diário de caricaturas manuscrito Cocó, Ranheta e Facada.

Ilustra o álbum Lamego em Caricatura. Personalidades ilustres, figuras características e typos populares.

 1905 Caricaturista e decorador das «Festas do Grau», em Coimbra, a convite da comissão de estudantes, de que faziam parte reconhecidos republicanos, como José Bacelar, Manuel Alegre, Justino Cruz e Carlos Amaro.

1906  Primeira colaboração na organização das festas de Nossa Senhora dos Remédios (Lamego), com que colaborará regularmente durante 40 anos.

1907-1943 Professor no Colégio de Lamego, de Desenho, Pintura e Declamação, a convite do então diretor, Pe. Alfredo Pinto Teixeira.

Assina várias comédias, tercetos, monólogos e cançonetas.

1909 Livro de esboços (II)

1914 Desenha uma «Galeria de Lamecenses Ilustres», publicada pelo jornal lamecense republicano A Tribuna. Estreia-se como redator nesse semanário, com uma «Secção Teatral».

Diretor cénico do Grupo Dramático Beneficente João Rosa até, pelo menos, 1930.      

1917 Nomeado diretor do Museu Regional de Numismática e Arqueologia de Lamego, criado em 5 de abril desse ano.

1918 Pinta uma galeria de retratos dos benfeitores do santuário de N. Sra. dos Remédios.

1919   Vereador da Câmara Municipal de Lamego.

Executa 36 desenhos de ornamentos escultóricos para a decoração da escadaria dos Remédios.

1923-1924 Ilustra os livros Artistas de Lamego, Monumentos e Esculturas e Três Túmulos, de Vergílio Vergílio Correia, e Mobiliário Artístico Português, de Alfredo Guimarães e Albano Sardoeira.

1925   Redator principal do jornal republicano lamecense A Fraternidade.

1936    Colaborador do jornal lamecense Beiradouro, onde, até 1945, publica centenas de artigos.

 1940 Nomeado Delegado Concelhio da 2.ª Sub-secção (antiguidades, escavações e numismática) da 6.ª Secção da Junta Nacional de Educação

1943   Expõe a sua obra caricatural em Lamego e no Porto, na Casa Regional da Beira Douro.

1949   Escreve o Roteiro Ilustrado da Cidade de Lamego (publicado a título póstumo, em 1961).

1951   Exposição de pintura a óleo, desenho e caricatura de João Amaral e do filho Luís, no Clube de Lamego.

1955   Falecimento, em Lamego, a 27 de julho.

1956 Leilão da biblioteca de João Amaral, organizado pelo livreiro-antiquário de Lisboa, Arnaldo Henriques de Oliveira.