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Pintura Paisagem com a fuga para o Egito

PAISAGEM COM A FUGA PARA O EGITO

O episódio bíblico da Fuga para o Egito, de longa tradição iconográfica, decorre numa paisagem larga e aprazível, iluminada com uma luz suave e percorrida por um rio que corre sereno até ao observador. Uma imensa árvore no primeiro plano fecha o espaço, à esquerda. À direita, duas árvores marcam o único eixo vertical da paisagem plana, que se estende até à montanha. Ao longe, vislumbra-se uma povoação, perfeitamente integrada na placidez que se desprende da composição. A linha do horizonte é baixa, ocupando o céu grande parte da superfície pictórica, de acordo com a horizontalidade de planos articulados, contrabalançados pela verticalidade de linhas diagonais a fechar lateralmente as composições, caraterística das paisagens italianizantes.

Esta pintura enquadra-se na produção de Jan Frans van Bloemen (Antuérpia, 1662- Roma, 1749), um pintor de paisagem flamenga. Depois de uma breve estada em Paris e Lyon, Jan Frans viaja com o irmão mais velho Pieter van Bloemen, também um renomado pintor, para Roma, onde ambos aparecem registados, em 1668, na paróquia de Sant’Andrea delle Fratte.

Enquanto que Pieter regressa a Antuérpia, em 1694, Jan Frans permanecerá na cidade papal, de onde apenas sairá para pequenas viagens a Nápoles, Sicília e Malta. Muito conceituado em Roma, o pintor recebe encomendas por parte de importantes patronos, contando-se entre eles, a rainha Isabel Farnese, de Espanha, vários nomes da aristocracia romana e a própria cúria papal. Na associação dos artistas nórdicos a trabalhar em Roma, conhecida como Bamboccianti, ficou conhecido com a alcunha de Orizzonte, em referência aos horizontes longínquos e serenos, que caraterizam as suas paisagens. Da sua autoria são algumas das melhores paisagens italianizantes, pintadas em Roma, na primeira metade do século XVIII, inspiradas em artistas como Claude Lorrain (Chamagne, 1600 – Roma, 1682) e Gaspard Dughet (Roma, 1615-1675).

Não sendo conhecidas as circunstâncias da chegada desta e outras pinturas a Lamego, para integrar a pinacoteca instalada no paço episcopal, é provável que tenha sido adquirida no contexto da remodelação do palácio, ao tempo do bispo D. Luís de Sousa (1671-1677), que mesmo antes da sua chegada a Lamego, faz o envio de uma carta ao Cabido da Sé, mandando o dinheiro necessário para a reforma do palácio «sem reparar a despeza pera o que se valeo dos milhores mestres do seu tempo» (Azevedo 1877, 87). Nomeado embaixador extraordinário do rei D. Pedro II junto da cúria papal, D. Luís de Sousa parte para Roma, em 1675, deixando, na sua ausência, o Pe. João Nogueira Barros, que o assistia Lamego, encarregue de terminar as obras iniciadas no paço. O esmero colocado na reconstrução do edifício estendeu-se à decoração dos interiores, que «tudo tinha cõ muito ornato, de armações, cadeiras, esteiras, contadores e escritorios do Norte cõ grande Prefeição (sic)» (BNL, cód. 163, fl. 42 apud Soromenho 2001,15), numa descrição que torna evidente o compromisso entre o desejo de conforto e modernidade, e um sentido de fausto e opulência, que ia de encontro à personalidade de D. Luís que, durante a permanência em Roma, irá manter a sua relação com Lamego, através ainda da ligação a outras empresas artísticas, dando continuidade a uma vincada atividade mecenática que o acompanhará ao longo da vida.

Da leitura do inventário póstumo do espólio de D. Luís de Sousa, dado a conhecer pelo investigador Miguel Soromenho, o mesmo autor conclui:

Sem ser um “curioso”, D. Luís não deixou, todavia, de participar nesse fenómeno típico do século, rodeando-se de uma quantidade de objectos preciosos, raros ou apenas curiosos, cuja selecção revelava, sobretudo, um gosto ecléctico pela obra de luxo e pela sua qualidade decorativa, como ornato de casa e símbolo de distinção e modernidade” (Soromenho 2001, 26).

Em relação à coleção de pintura adquirida em Roma, o mesmo investigador refere a predominância de pintura histórica, religiosa e de assuntos mitológicos, e, em lugar mais modesto, mas sem deixar de estar representados, os géneros ditos menores: paisagens, naturezas-mortas, vedute, marinhas, quadros de animais e cenas de género, seguindo uma das principais tendências verificadas entre os grandes colecionadores (Soromenho 2001, 29) do século XVII, que começaram a privilegiar a encomenda de composições menos grandiosas, mas mais reais e facilmente inteligíveis.

Convém lembrar a esse respeito, a influência que exerceram duas das mais importantes encomendas da primeira metade do século, a decoração do Palácio Barberini em Roma, promovida pelo cardeal Francesco Barberini (1597-1697), sobrinho do papa Urbano VIII, e a do palácio do Bom Retiro, em Madrid, o principal projeto arquitetónico e decorativo do rei Filipe IV de Espanha, inaugurado em 1633. Em ambos é de destacar a primazia dada à pintura de pequeno formato, de temas bucólicos e de paisagens italianizantes, encomendadas aos pintores oltromontani (como eram conhecidos em Roma os pintores oriundos dos países do Norte), representantes da modernidade e das novas tendências artísticas (Kubissa 2013, 133 e 136).

Naturalmente que, na hora de decorar os seus palácios, era nas coleções reais e dos altos dignitários da Igreja que os nobres e eclesiásticos se reviam e procuravam imitar, razão pela qual muitos deles tinham nos seus palácios cópias de obras provenientes das principais coleções. Com efeito, na impossibilidade de poder ter uma pintura original, em função do seu poder aquisitivo, muitos colecionadores conformavam-se com cópias ou versões mais ou menos afortunadas, nas quais, de algum modo, se podia vislumbrar a marca de renomados pintores.

Essa circunstância poderá justificar a presença, na coleção do antigo paço episcopal de Lamego, de nomes de mestres nórdicos que fizeram carreiras de grande prestígio, em Roma, como Jan Frans van Bloemen (Antuérpia, 1662 – Roma, 1749) e do irmão Pieter van Bloemen (Antuérpia, 1657-1720), através de reproduções de composições originais, que podiam ser admiradas nas fabulosas galerias dos palácios Barberini e Colonna e enviadas para Lamego, para a decoração da residência episcopal, durante a permanência de D. Luís de Sousa em Itália.

PAISAGEM COM A FUGA PARA O EGITO

Oficina de Jan Frans van Bloemen (?)

Roma

Séc. XVII-XVIII

Óleo sobre tela

Proveniente do antigo paço episcopal de Lamego

Inv. ML 47

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Joaquim (1877) – Historia Ecclesiastica da Cidade e Bispado de Lamego. Porto: [typographia do Jornal do Porto].

KUBISSA, Teresa Posada (2014) – Rubens, Brueghel, Lorrain. A Paisagem Nórdica do Museu do Prado. Lisboa: INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda.

SOROMENHO, Miguel (2001) – «D. Luís de Sousa (1637-1690). O gosto de um mecenas». Uma família de coleccionadores – Poder e Cultura. Antiga Coleção Palmela. Lisboa: IPM/Casa Museu Anastácio Gonçalves, 15-41.