Horário: Todos os dias. Das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h00. (Aberto, parcialmente, devido às obras de reabilitação do edifício)

Desenho Cavalo

Cavalo

O Museu de Lamego foi contemplado, em 2103, com diversas doações, entre as quais a preconizada por António Almeida Metelo Seixas. Essencialmente constituída por pintura e desenho, nela se destaca um desenho a tinta da china assinada e datada, em 1971, por Dórdio Gomes. Nascido em Arraiolos, a 26 de julho de 1890, Dórdio Gomes ingressou na Academia de Belas-Artes de Lisboa com apenas 12 anos de idade. Por mestres teve Luciano Freire (1864-1935) e Veloso Salgado (1864-1945), determinantes numa primeira fase da sua aprendizagem e, mais tarde, José Malhoa (1855-1933) e Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929). Em 1910, como bolseiro, parte para Paris com o amigo e escultor Francisco Franco (1885-1955), onde frequenta na Academia Julian as aulas de Jean-Paul Laurens (1838-1921) e contacta com outros artistas, alguns portugueses, como Santa-Rita (1889-1918) e Eduardo Viana (1881-1967). Após uma curta estada de um ano, regressa a Portugal, retomando a aprendizagem, no mesmo destino, 10 anos depois, quando lhe foi renovada a bolsa, para uma permanência de mais cinco anos. Este período foi particularmente importante na sua formação e percurso, tanto pela frequência da Escola Nacional de Belas-Artes de Paris e do atelier de Ferdinand Cormon (1845-1924), como pelos contactos que realiza com artistas ligados a movimentos estéticos de vanguarda. A influência de Cézanne (1839-1906) está bem presente na paleta e na estrutura compositiva das obras desta fase. Também o convívio e as tertúlias com conterrâneos, como Diogo de Macedo (1889-1959), Abel Manta (1888-1982), Manuel Jardim (1884-1923) ou Heitor Cramêz (1889-1967), lhe permitem o alargar vivências e experiências e rasgar horizontes, reforçados pelas viagens que realiza à Bélgica, Suíça, Holanda e à Itália, onde se demora por oito meses. É aí que descobre o fascínio pelos clássicos e pela técnica da pintura a fresco, que desenvolverá mais tarde. Este foi, certamente, um período enriquecedor, de busca, de descoberta e de afirmação.

Em 1923, participa na Exposição dos Cinco Independentes, realizada na Sociedade Nacional de Belas-Artes (Lisboa). Os Independentes eram Henrique Franco (1883-1961), Alfredo Migueis (1883-1943), Francisco Franco, Diogo Macedo e Dórdio Gomes, aos quais se associam Eduardo Viana, Almada Negreiros (1893-1970) e Mily Possoz (1888-1968). Independentes e livres de espartilhos viriam a constituir, segundo José Augusto França, a “primeira manifestação modernista dos anos 20”. A influência naturalista, da fase inicial, e as incursões feitas pelo expressionismo e cubismo, correspondente ai segundo período em Paris, cedem espaço às influências cézannianas que retoma nas temáticas colhidas no Alentejo, onde se fixa, a partir de 1926, quando regressa definitivamente a Portugal.

A grandeza dos sobreiros da paisagem alentejana, a liberdade das manadas de cavalos, o repouso do pastor sobre o cajado, a solidez da mulher carregando os molhos de cereal… o chapéu de abas largas não lhe esconde o tisnado do sol nem a força do caráter. Os corpos volumosos preenchem o espaço construído de dinâmicas composições criadas pela sobreposição de planos e de subtis gradações cromáticas, obtidas na escassa paleta de que faz uso. A partir de 1934 assume o lugar de professor de pintura na Escola Superior de Belas-Artes no Porto, onde permaneceu até ao seu jubileu em 1960. Foram o Porto e o Douro o mote que a partir de então motivou o seu imaginário. A obliquidade dos vários planos que perpassam o casario, a síntese da mancha, o apontamento do detalhe, as transparências lumínicas do rio ou os céus carregados de nuvens criam atmosferas de uma intensidade poética, cenográfica e onírica. Esta fase da sua vida, além do enlevo com que exerceu a atividade docente e ajudou a formar gerações de artistas, permitiu-lhe realizar vários trabalhos de decoração de interiores[1] usando a técnica a fresco que tanto o tinha fascinado em Itália. Das muitas exposições em que Dórdio participou, contam-se as exposições anuais da SNBA[2], as Exposições de Arte Moderna organizadas pelo SPN[3] / SNI[4] em Lisboa e no Porto, as Exposições de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian e as exposições da Escola Superior de Belas-Artes do Porto.

Galardoado com diversos prémios em Portugal e no estrangeiro, refira-se a atribuição das medalhas de ouro na Exposição Internacional do Rio de Janeiro (1922) e na Exposição Internacional de Paris (1937), do Prémio Columbano (1938) e do Prémio António Carneiro (1945), a participação na Bienal de Veneza (1950), nas Bienais de São Paulo (1951, 1953 e 1955) e na Exposição Internacional de Bruxelas (1958). Em 1960 foi-lhe atribuída a insígnia de Cavaleiro da Ordem de Santiago de Espada.

A sua obra encontra-se distribuída por diversas coleções particulares e museus[5], como o Museu de Lamego, onde a coleção de desenho conta com cinco peças do autor. De entre estes, o desenho a tinta da china, em destaque (1971), representando um cavalo com o corpo voltado de perfil. O pescoço define acentuado escorço voltando-lhe a cabeça para a frente, enquanto a garupa levantada lhe projeta as patas traseiras num movimento descoordenado. No olhar, a expressão de espanto traduz a surpresa, a presença perturbadora do imprevisto. Imagem-retrato retido em plena corrida do animal, dominado pelo traço espontâneo, seguro e enérgico do mestre.

Dórdio Gomes morre, no Porto, em 1976. Ao seu Alentejo voltaria sempre. Na diversidade temática da sua obra, a presença constante das paisagens e gentes do “seu” Alentejo e da cidade que o viu partir.

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[1] Decorou o café Rialto, (1944), o Batistério da Igreja de Nª Sª da Conceição (1947); a livraria Tavares Martins (1948), a Igreja dos Redentoristas (1953), a Escola Superior de Belas Artes (1954), a Câmara Municipal (1954), entre outros.

[2] Sociedade Nacional de Belas Artes.

[3] Secretariado de Propaganda Nacional.

[4] Secretariado Nacional de Informação.

[5] Museu Nacional Soares dos Reis, Museu Nacional de Arte Contemporânea, Museu José Malhoa, Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, Museu Nacional Grão Vasco.

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Cavalo

Dórdio Gomes

1971

Desenho a tinta da china sobre papel

Doação António Almeida Metelo Seixas

Museu de Lamego, inv. 8496

Bibliografia

DAVID, Raquel Maria da Silva Fernandes (2016) – A Ação cultural e mecenática de Fausto de Queiroz Guedes, 2º Visconde de Valmor, 1837-1898 e o Prémio Valmor de Arquitectura (1902-1943). Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras. Disponível em: https://docplayer.com.br/77289385-Universidade-de-lisboa-faculdade-de-letras.html

FRANÇA, José-Augusto (1985) – A Arte em Portugal no Século XX. 1911-1961. Venda Nova: 2ª ed., Bertrand Editora.

FRANÇA, José-Augusto (1991) – O Modernismo na Arte Portuguesa, Biblioteca Breve, Nº 43, Lisboa: 3ª ed., Instituto de Cultura e Língua Portuguesa / Ministério da Educação.

PAMPLONA, Fernando de (1943) – Um Século de Pintura e Escultura em Portugal (1830-1930), Porto: Livraria Tavares Martins.

PAMPLONA, Fernando de (1987) – Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses ou que trabalharam em Portugal. Vol. II. Barcelos: 2ª ed., Civilização Editora, pp.210-212.

PORTELA, Artur (1987) – Salazarismo e Artes Plásticas. Biblioteca Breve, vol. 68. Lisboa: 2ª ed., Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação.

SILVA, Raquel Henriques da (1995) – «Sinais de Ruptura: “Livres e Humoristas”», in História da Arte Portuguesa, Do Barroco à Contemporaneidade, Lisboa: Temas e Debates, pp. 369-405.

VÁRIOS. (1994) – Arte Portuguesa 1850-1950, Lisboa: Museu do Chiado, Instituto Português de Museus, pp. 220-223.

Georgina Pessoa | setembro 2020