ABRAÃO E OS ANJOS
Abraham Willemsen (oficina de) segundo Frans Francken II
Antuérpia, c. 1650-1675
Óleo sobre cobre
Proveniente do antigo paço episcopal de Lamego
Inv. ML 23
Representação do episódio bíblico da aparição dos anjos a Abraão.
Abraão sentado à entrada da sua tenda é surpreendido pela aparição dos três anjos. Prosterna-se perante eles, lava-lhes os pés, e senta-os à sua mesa por baixo do carvalho de Mambré, onde Abraão armou a tenda. Serve-lhes um bezerro assado que faz preparar em sua honra e três pães de for de farinha. Um dos anjos prediz-lhe que sua mulher Sara, apesar da idade avançada, parirá um filho. (Génesis XVIII, 1-16).
A divulgação do episódio bíblico durante o barroco deve-se à circulação de diversas estampas, designadamente a gravura executada a partir do desenho do pintor maneirista flamengo Maarten de Vos (1532-1603), que terá inspirado a pintura em análise, bem como as gravuras executadas a partir de Gerard van Groening (1579) [fig. 1] e um exemplar atribuído a Symon Novelanus (1577-1627) [fig. 2].
Fig. 1 Abraão e os anjos, gravura a partir de Gerard van Groeningen, Antuérpia, 1579. Rijksmususm, Amesterdão. © Rijksmuseum [http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.593665]
Fig. 2 Abraão e os anjos. Gravura atribuída a Symon Novelanus, a partir de desenho do mesmo, 1577-1627. © Artokoloro Quint Lox Limited / Alamy Stock Photo
Relaciona-se com o pintor flamengo Frans Francken II (Antuérpia, 1581-1642) um número significativo de obras com a representação deste episódio veterotestamentário que, com ligeiras variações, seguem de muito perto tanto o desenho de Maarten de Vos, com a figuração da refeição servida por Abraão, como a gravura de Symon Novelanus, na qual se representa a aparição dos anjos, que antecipa a refeição. De entre as primeiras, entre muitos outros, poderá apontar-se um exemplar existente na coleção do Museu Regional de Beja, e outro, no Reino Unido, no Felbrigg Hall (Norwich); relativamente às segundas, encontram-se, entre as mais célebres, as composições do Museu Nacional do Prado e do Museu de Santa Cruz de Toledo, ambas pintadas sobre cobre, tal como o exemplar de Beja.
Muito popular no seu tempo, Frans Francken II, no final da sua carreira optaria por uma produção de pinturas de pequeno formato, preferencialmente, sobre cobre, constituindo uma das suas imagens de marca o recurso de figuras e acessórios exóticos.
Com uma oficina das mais prolixas, os registos dos negociantes de arte para os quais Francken trabalhou revelam inúmeras réplicas e cópias, que eram vendidas como originais. Provavelmente executadas pelos filhos, genros e outros aprendizes do pintor, não só justificam a imensidão da obra que lhe é atribuída, como também a qualidade desigual que a carateriza.
Uma pintura com o mesmo assunto, do pintor de Antuérpia, Abraham Willemsen (c. 1610-1672) [fig. 3], vendida pela leiloeira Christie’s de Londres, em 2006, remete-nos para uma oficina que se dedicou à reprodução fiel de composições consagradas por outros artistas como Rubens, Gerard Seghers, Brughel de Velours, Hendrick van Balen e, entre outros, Frans Francken II.
Fig. 3 Abraão e os anjos. Abraham Willemsen (1625-1672). Óleo sobre cobre. Vendido em leilão pela Christie’s de Londres, 2006. © RKD-Netherlands Institute for Art History, Haia
A proximidade deste exemplar com a composição de Lamego leva-nos a um redobrado interesse sobre a produção da oficina deste artista, à qual se atribui este exemplar, que integra um conjunto de quatro pinturas.
Não tendo sido ainda estudada a presença de obras de este artista em Portugal, em Espanha a sua obra é abundante, o que se justifica pela enorme demanda de pinturas desde Antuérpia para esse país, canalizada através de grandes mercadores de arte como Forchaud e Musson.
O êxito das suas pinturas explica-se em grande parte pelo seu sentido decorativo, apropriado tanto para a ornamentação de sacristias e dependências menores de edifícios religiosos, como para espaços civis. Do mesmo modo, contribuiu para a sua difusão o preço acessível que estas possuíam, devido a uma produção quase industrial, servida por extensa participação de colaboradores que trabalharam na oficina do pintor, cuja originalidade radica em recriar habilmente composições “emprestadas”. Com uma ambiência diferente das obras originais, as composições saídas desta oficina, caraterizam-se por paisagens amplas e personagens de tamanho reduzido, ocupando apenas uma parte da superfície. Tal como Frans Francken II, grande parte da produção desta oficina era executada em lâminas de cobre, o material por excelência das cópias pictóricas, destinadas ao mercado externo, onde eram muito apreciadas pelo seu colorido brilhante e maior durabilidade e resistência em relação a outros suportes como a madeira e tela.
O conjunto de pinturas sobre cobre pertenceu ao antigo paço episcopal de Lamego, onde de acordo com um inventário realizado em 1821 do seu recheio, se encontrava entre as peças que ornavam a sala de visitas: «Quatro pinturas em cobre, tres da Familia Sagrada, e hum o = Sacrificio de Abraão, com caixilhos de Casquinha».
Sendo desconhecida a sua origem, é possível que tenha tivesse pertencido ao bispo de Lamego D. Nicolau Joaquim Torel da Cunha Manuel (1771-1772) que, segundo o testemunho de João Amaral, incluía quatro quadros de Rubens (Amaral 1935, 4), referindo-se possivelmente a este conjunto. Todos os exemplares conservam no tardoz vestígios de terem possuído um desaparecido selo de lacre que, eventualmente, nos poderia esclarecer sobre o antigo proprietário das obras, considerando que nenhum outro exemplar que pertenceu à coleção de pintura do palácio episcopal apresenta o mesmo sinal.
Bibliografia
AMARAL, João (1935) – «Dos velhos tempos…» Voz de Lamego (27 julho 1935).
ANTT, Mitra de Lamego: Livro 49 – Inventario das Alfaias, movens, e bens de raiz, pertencentes ao Paço Episcopal, 1821.
DENUCÉ, J. (1930) – Exportation d’Oevres d’Art au 17e siècle a Anvers. La firme Forchoudt. Anvers: Édition «De Sikkel». Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6463412b.