Natureza-morta com frutos, doces, licores e pássaros numa paisagem
Pietro Navarra (?)
Roma, séc. XVIII
Óleo sobre tela
Proveniente do antigo paço episcopal de Lamego
Inv. ML 53
Fotografia | José Pessoa
Natureza-morta de exuberante composição naturalista, que revela um exercício de rigor e de atenção ao detalhe, no tratamento das texturas, do brilho reluzente dos vidros e vivacidade do colorido dos frutos, de aspeto flácido, símbolo da decadência, que é sublinhada pela presença dos pássaros tombados à direita. Ao fundo, uma paisagem melancólica, pontuada por casario, banhada por uma luz crepuscular. Uma pintura que se filia claramente na obra de Pietro Navarra, pintor ativo em Roma, entre 1685 e 1714, cuja obra se conserva em Roma, distribuída pela Pinacoteca do Vaticano e as Galerias Nazionale e Pallavicini. Discípulo de Franz Werner von Tamm (1658 –1742) e de Christian Berentz (1658-1722), um pintor germânico igualmente ativo em Roma, do qual o Museu de Lamego possui duas naturezas-mortas, provavelmente, cópias de época e da oficina do artista, de dois exemplares que se conservam na Galeria Corsini, em Roma (invs. ML 41 e ML 42).
Esta pintura fez certamente parte da pinacoteca do antigo paço episcopal de Lamego, organizada, num eco tardio das galerias de pintura romanas de Seiscentos, pelo bispo D. Manuel de Vasconcelos Pereira (1773-1786), a partir da coleção de pintura herdada dos seus antecessores. Designadamente, D. Luís de Sousa (1670-77), nomeado, em 1675, embaixador extraordinário de D. Pedro II em Roma, enquanto ocupava ainda a cátedra de Lamego. Durante a estada na cidade papal, D. Luís de Sousa adquire uma coleção de pintura, com temas que incluíam as paisagens, naturezas-mortas, vedute (vistas), marinhas, animais e cenas de género. É provável que algumas dessas pinturas tenham sido enviadas para Lamego, para recheio do paço, cuja obra continuava a acompanhar, antes da sua nomeação para o arcebispado de Braga.
Na hora da decoração dos seus palácios era nas coleções reais e dos altos dignitários da Igreja, que nobres e eclesiásticos se reviam e procuravam imitar, razão pela qual muitos deles tinham nos seus palácios cópias de obras provenientes das principais coleções. Com efeito, na impossibilidade de poder ter uma pintura original, em função do seu poder aquisitivo, muitos colecionadores conformavam-se com cópias ou versões mais ou menos afortunadas, nas quais era possível vislumbrar a marca de renomados pintores. Essa circunstância poderá justificar a presença, na pinacoteca do antigo paço episcopal, de nomes de mestres, que fizeram carreiras de prestígio em Roma, como o caso de Pietro Navarra.
Pela leitura de um rol dos bens do paço, realizado em 1821, a residência dos bispos de Lamego possuía uma coleção de cerca de 160 pinturas, sumariamente descritas de acordo com os assuntos e distribuídas pelo quarto e gabinete do bispo, com temas predominantemente religiosos, por uma sala, por quartos menores e refeitório, sem esquecer a capela. O anterior “sallam” de pinturas, mencionado numa descrição do palácio, datada de 1777, ao tempo da reconstrução empreendida por D. Manuel de Vasconcelos, deu lugar à sala de “vezitas” que, em Oitocentos, devia manter no essencial, a galeria organizada pelo antístese. Quando, em 1911, se procedeu ao arrolamento dos bens pertencentes ao antigo paço episcopal, no âmbito da aplicação da Lei de Separação do Estado das Igrejas, a coleção de pintura dos bispos de Lamego, encontrava-se já muito delapidada. Ainda assim, constitui, até aos nossos dias, o grosso da coleção de pintura europeia do Museu de Lamego, num pálido reflexo do gosto dos antigos prelados.