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Gravura África

África 

A gravura África constitui um dos raros exemplos que se conservam de estampas de grande formato editadas em Paris, no século XVIII, com a finalidade de fazer da gravura uma rival da pintura e diversificar a oferta comercial, até então essencialmente consagrada ao retrato e a assuntos religiosos.

Gravada por Conrad Lauwers (1632 – circa 1685), a partir de uma composição de Louis Licherie de Beurie (1629-1687), foi editada por Pierre Landry (circa 1630 – 1701), um gravador e, sobretudo, comerciante estabelecido na Rua Saint-Jacques, em Paris.

O exemplar do museu é o único que se conhece pertencente a uma série intitulada «As quatro partes do mundo» e mencionada no inventário de bens deste gravador, fazendo parte de um lote de pranchas onde são também referidos «Os quatro elementos», «As quatro estações», «As quatro horas do dia» e «Os cinco sentidos». Por morte de Pierre Landry, em 1701, o lote viria a tornar-se propriedade de seu filho, François Landry (1668-1720). O exemplar que se conserva em Lamego será já uma prova editada pelo segundo, entre 1709 e 1720.

A representação iconográfica da África, uma das quatro partes do mundo então conhecidas, era muito popular na cultura barroca e representada com frequência nas procissões religiosas e profanas.

Uma mulher negra vestida à romana exibe dois atributos fundamentais de todas as representações desde a antiguidade: os enxuviæ elephantis sobre a cabeça e, na mão esquerda, um escorpião. Aos pés da mulher encontra-se um pequeno altar de devoção, decorado nos ângulos por cabeças de carneiro; lateralmente, pode ler-se a inscrição «África».

Sobre o altar, uma grande serpente enrolada sobre si própria é entregue como oferenda. A mulher está sentada num trono em forma de dragão: língua bífida, asas de morcego e cauda de serpente, que simbolizam as ofensas. O trono está colocado sobre um carro triunfante, com quatro rodas, puxado por um elefante e um par de rinocerontes. O conjunto é dominado por um cornaca, também ele negro e igualmente vestido à romana. No plano do fundo observa-se uma alta montanha, cujo cume está envolto em nuvens. Este recurso iconográfico permite compreender a sua altura extraordinária, representando a mediação entre o mundo terrestre e o divino.

É muito pouco habitual ver um carro puxado por esta união pacífica de dois animais zoologicamente tão opostos: o elefante e o rinoceronte. No momento de compor a sua alegoria a África, Louis Licherie selecionou um modelo a partir da célebre xilogravura do Rinoceronte, de Albrecht Dürer (1471-1528).

Habitualmente, o carro sobre o qual se encontra a alegoria a África é puxado por elefantes, sendo muito mais rara a utilização do rinoceronte, e a associação das duas espécies absolutamente excecional. Esta gravura constitui, por isso mesmo, um bom exemplo da complexidade das fontes iconográficas e literárias utilizadas e da riqueza da sua interpretação.

As gravuras de grande formato são extremamente frágeis e, consequentemente, também muito raras. Na data em que foi impressa, entre 1709 e 1720, a produção de gravuras com estas características era pouco comum. Além disso, com as dimensões que apresenta, não podia ser realizada senão a troco de uma quantia muito elevada, o que poderá ajudar a sublinhar a sua raridade.

De origem mal documentada, ainda não foi possível esclarecer as circunstâncias que explicam a presença desta estampa nas coleções do Museu. Provavelmente oriunda do antigo paço episcopal de Lamego, trata-se de uma peça única no contexto das coleções nacionais, produzida para uma clientela exigente, culta e de gosto refinado, à imagem dos eclesiásticos que habitaram Lamego no século XVIII.

 

Conrad Lauwers, a partir de Louis Licherie de Baeurie, editada por François Landry e herdeiros

Rua Saint-Jacques, Paris

1709-1720

Gravura a buril executada sobre matriz de cobre e impressa através de tórculo; colorida à mão

Antigo Paço Episcopal de Lamego

Inv. ML 6016